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Melindrosa vintage

Atualizado: 30 de set. de 2021

Desceu o morro sem tropeçar no salto. As pedras irregulares formavam lisa passarela para a foliã, de pernas longuíssimas e finas, que terminavam numa mini saia branca de franjas e paetês. Releitura “vintage” da moda que nunca sai de moda nos bailes de carnaval: as melindrosas dos anos 30. Começava 2016, o ano em que tudo de ruim se infiltrou pelas frestas da alegria. A fantasia da moça antecipava a confusão que estava por vir: retrógrada e agressiva. Uma mistura do século 20 com o século 21, algo assim como anda o mundo agora: sem saber direito se avança ou retrocede. A bota vermelha, de salto agulha, era estilo 1960, e subia joelho acima, como nos libertários tempos da Londres de Mary Quant. A saia tinha cós alto, como nos anos 1970, com bustiê preto e branco um tanto formal, moda Yuppie dos anos 90. Os olhos estavam pintados de verde, com dez camadas de rímel, e sobre eles, uns óculos lindos, Armani de brechó. Completava a fantasia um par de brincos vermelhos e luvas também vermelhas, até os cotovelos. A cabeleira imensa, alisada com chapinha, tinha luzes douradas e marrons. O conjunto carnavalesco fazia um mix interessante e caótico, tanto no gênero quanto na indumentária. Caminhava cheia de atitude e parou para retocar o batom preto em frente a um bar apinhado de homens. Foi saudada com uma salva de assobios e cantadas. Retribuiu soprando beijos, deu adeusinho com as mãos enluvadas e seguiu balançando quadris e cabelos, feito potra em pasto verde. Puxou um séquito de carnavalescos até a praia, onde um bloco ensaiava para o desfile da noite. Entrou na área sambando que nem Squel Jorgea, a mais linda porta-bandeira que a Mangueira um dia teve. Quebrou queixos. Fez jorrar babas. Desafinou os instrumentos. O negro do Surdo, de calças brancas de capoeirista, peito nu e chapéu branco, perdeu o repique com a performance da moça, que fez tremer a franja da saia na rapidez dos tambores. O rebolado exibia e escondia parte da calcinha dourada, que cobria parcialmente uma bunda dura, redonda, difícil de não admirar. O negão não

parava de sorrir, batendo com força o surdo e estufando o peito para exibir a musculatura de pescador: barriga negativa, bíceps e tríceps, positivos! Ela veio sambando, veio sambando, veio sambando, sentou de frente no colo dele e lhe tascou um beijo de língua. Foi aí que a calcinha ficou totalmente exposta e todo mundo reparou que a moça era moço, mas ninguém ligou. O beijo durou enquanto durou o samba, sem censura. Ainda era 2016.




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