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Envelhecer não é para maricas

“Estranho ter sido o que fui sendo o que sou hoje. Parece que sempre tive a idade que tenho agora”, escreve Rita Lee no final de sua autobiografia, primeiro lugar nas paradas de sucesso, como as músicas que compôs e que embalou nossas festinhas desde os anos 1960.

Não é uma grande obra literária, mas é uma obra hilária. Rita Lee faz deboche de si mesma o tempo todo e não muda o tom nem quando destila alguns rancores. Perdoa todo mundo e perdoa-se acima de tudo, numa autoanálise muito lúcida e amorosa, deixando claro que só agora, na velhice, sente-se bem acomodada em sua própria pele.

Foi reconfortante descobrir que nossos ídolos são seres humanos como nós, sofrem das mesmas crises existenciais, dos mesmos medos e inseguranças, se boicotam, se traem, caem e levantam, recomeçam, dão duro, passam por apertos financeiros, têm uma família que os forjou, criam uma família aos trancos e barrancos e deságuam na velhice com muitos ajustes a serem feitos ainda.

Não há nenhuma amargura na biografia de Rita Lee. Nenhum julgamento. A não ser dela mesma. O tempo todo ela reforça que foi a única responsável por tudo que viveu: internações por uso de drogas e álcool, prisão, vexames. Não faço a Madalena arrependida com discursinho antidrogas, não me culpo por ter entrado em muitas, eu me orgulho de ter saído de todas”, escreve.

O nascimento da neta, há 11 anos, deu a ela a força que faltava para deixar de vez todas as drogas, ilícitas e lícitas. Foi morar no mato, cuidar dos bichos que tanto ama, da horta, do pomar. Desenvolveu outro lado artístico, o da pintura, não deixou de compor nem de escrever, mas não tem planos de voltar aos palcos.

“Agradeça aos deuses da música e tira de vez o seu time de campo, bonitona!” Disse a si mesma quando o corpo começou a cobrar pelos 50 anos ininterruptos de pulações, viagens e lisérgicos. “Quando dizem que envelhecer está na cabeça, meu fígado e minha coluna dão uma risadinha sarcástica”, ironiza.

Envelhecer com bom humor e uma boa dose de sarcasmo não é para maricas. Sempre dei mais valor à dignidade de uma Hilda Hilst (poeta brasileira que também se exilou no campo) do que àquelas em busca da fonte da juventude que não percebem o tempo como aliado da feitiçaria feminina”, diz no livro, acrescentando que não é sua praia lamentar que os bons tempos não voltam mais nem tentar exibir boa forma em público com plásticas e botox.

A maluquete, como ela mesma se define, nos dá lições de sabedoria e serenidade aos 70 anos. “Sigo sendo uma septuagenária bem vivida, bem experimentada, bem amada, careta, feliz e...bonitinha. A sorte de ter sido quem sou, de estar aonde estou, não é nada se comparado ao meu maior gol: sim, acho que fiz um monte de gente feliz”!

Fez sim, e eu sou uma delas. Rita Lee foi trilha sonora de meus namoros, da minha dança de domingo em casa, ouvindo coisas engraçadas tipo “Tudo Vira Bosta”; pulei com ela em muitos shows, acompanhei de perto sua carreira, desde os Mutantes. Admiro seu talento, sua enorme criatividade, sua cabeça aberta, seu feminismo escrachado, seu debochado – porém seriíssimo - posicionamento político e social.

Fiquei mais feliz ainda ao ler essa autobiografia corajosa e madura. Uma mulher desnudando-se de suas máscaras, num desapego total. Se nós, pobres mortais destituídos de glamour ou fama, sofremos com o envelhecimento, ler Rita Lee falando sobre o tema nos leva a entrar num acordo com o tempo, aceitando-o com humildade, reverência e gratidão.


Foto do livro

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