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Velhinhas libidinosas

Velhinhas libidinosassconfio muito de pesquisas. Principalmente as que se referem a comportamentos. Já trabalhei com isso em vários órgãos do governo, como assessora de comunicação, e afirmo, com toda convicção, que elas são encomendadas para referendar uma ideia pré-concebida, e não para fazer uma descoberta. Pesquisas sobre sexualidade, por exemplo, apresentam os resultados mais furados que eu já ouvi na vida. Porque todo mundo mente muito sobre sexo. E mais falam do que fazem, podem ter certeza.

Quando o assunto é sexo na terceira idade, então, há sempre uma forçada de barra para vender a ideia de que “sexo é vida” e que a libido nunca acaba. Uma dessas pesquisas apareceu recentemente no facebook. Com o seguinte título: AS VELHAS TRANSAM! MULHERES DERRUBAM MITO DO SEXO NA MATURIDADE. Opa, pensei, estão falando de nós? De mim e das minhas amigas? Onde estão essas velhinhas libidinosas que eu não conheço?

Elas foram encontradas, de acordo com a reportagem, entre 3 mil entrevistados pela psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do ProSex (Projeto Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, com apoio da Pfizer. Esse laboratório, como todos sabem, é o fabricante do Viagra e acaba de comprar a patente do botox, ou seja, está investindo pesado no mito da eterna juventude.

A reportagem é muito ruim, como quase tudo que anda hoje pela internet. O texto é contraditório, raso e claramente vendido. Começa enunciando que “envelhecer, em geral, atrapalha mais a performance sexual masculina do que a feminina”, afirma a pesquisadora Carmita Abdo. Segundo ela, “as mulheres aceitam de forma menos complexa a queda da libido. Se, para os homens, a dificuldade para obter e manter a ereção é o bicho papão do sexo, para elas a dificuldade para atingir o orgasmo é o maior pesadelo. Para as mulheres mais velhas, a dor na relação sexual também surge como um problema, apontado por 59,7% delas, o que se explica com os efeitos da menopausa e a consequente redução da lubrificação natural da vagina para a relação sexual”.

Onde estão os números que provam que as mulheres mais velhas transam MUITO, como o título faz pensar? Vamos ao que a reportagem apontou: “No recorte de idade, a pesquisa constata que, para os maiores de 50, 95,6% dos entrevistados consideram o sexo importante ou muito importante para a harmonia do casal”. E a psiquiatra explica: “Quanto mais maduros os parceiros, mais qualidade tem a relação sexual, até, porque, o número de atos sexuais por encontro se reduz radicalmente”.

Quer dizer, quase cem por cento dos entrevistados acham importante fazer sexo de vez em quando, para salvar o relacionamento. Mas não há nada dizendo se eles acham bom, maravilhoso, fantástico. Só que esses atos sexuais foram drasticamente reduzidos. Em quanto? Uma vez por mês, por semestre, por ano?

Sigo buscando as informações que deram o título à reportagem e encontro o seguinte desfecho (aliás, obra-prima de mau texto e mau jornalismo): “Uma coisa é certa: a dificuldade sexual é um punhal na autoestima dos entrevistados. Para 25,8% dos homens e 25,9% das mulheres, as disfunções afetam o amor-próprio, para só então abalar a relação com o parceiro”.

Ou seja: primeiro, os tais velhinhos libidinosos do título ficam sem tesão por causa do envelhecimento, aí a autoestima despenca, e é por isso (não porque o tesão acabou) que as relações amorosas são abaladas. Pior é que essas pessoas que ficam tão afetadas representam apenas um pouco mais que um quarto dos entrevistados, tanto homens quanto mulheres. Os demais – 75% - não se abalam? Fazem o que com a sexualidade perdida?

Ah, gente, que preguiça dessas pautas. Será que a Pfizer teria coragem de encomendar uma pesquisa ampla relacionando as mortes súbitas por enfarto em homens acima de 50 anos com o uso do Viagra?

Nessa indústria do sexo que vende “zilhões” de coisas associadas à busca de prazer, vem aí o Viagra feminino, um tal de Fibranserin, que um laboratório americano está pressionando para ser liberado. Mais uma droga de efeitos imprevisíveis sobre a saúde da mulher, que querem nos fazer comprar com a propaganda enganosa da juventude sem fim.

Ora, o organismo humano tem prazo de validade, todo mundo sabe disso. E à medida que envelhecemos vamos perdendo diversas funções. Uma das primeiras é a sexual, quando termina o ciclo reprodutivo das mulheres. Os homens ainda mantêm a capacidade reprodutiva por mais tempo, mas perdem força para realizarem o ato. Podem até tomar o tal Viagra, escolherem mulheres mais jovens, fazer novos filhos, mas uma hora a idade cobra o seu preço e não há droga que resolva o problema.

Então, a meu ver, é importante que saibamos aceitar que a libido acaba, como outras coisas da juventude terminam com o avançar da idade. Mas enquanto a morte não vem, a vida tem de ser reinventada em outras bases. Os casais que eu conheço que já passaram das bodas de prata relatam que fazem cada vez menos sexo, mas que estão mais amigos, mais parceiros. Transformaram a união numa relação de carinho, respeito e cuidado mútuo. E estão felizes.

Conheço outros casamentos que se dissolvem nessa faixa etária, e um dos parceiros tende a por a culpa no desinteresse sexual do outro. A verdade é que a relação já estava desgastada, e o fim do desejo é só o entroncamento que os dois esperavam para cada qual seguir novo atalho. Observo que os homens ficam mais arrasados que as mulheres quando isso acontece. Procuram casar-se novamente. Ganham fôlego novo, às vezes fazem filhos, mas alguma hora vão ter que encarar o fato de que brocharam de vez.

A mulher costuma não se casar de novo, por dois motivos: teve um casamento muito sacrificante, com um marido machista e pouco colaborador, e está louca para se libertar dessas obrigações conjugais e dedicar-se a outras coisas; ou, ainda quer um novo parceiro, mas tem menos chance que o homem mais velho, pela nossa cultura que endeusa a juventude. As que conseguem, retomam a vida sexual naturalmente, mas com foco muito mais no companheirismo, na parceria e na boa companhia.

No meio disso há os solteiros convictos ou os que envelhecem sozinhos, por escolherem um estilo de vida menos convencional. Os que já tiveram uma vida sexual ativa e prazerosa ficam sossegados e satisfeitos, buscando direcionar sua energia criativa (que é a mesma do sexo) para atividades artísticas e relacionamentos bacanas, onde pode até haver sexo, eventualmente. Os que não se realizaram amorosa e sexualmente tornam-se aflitos e infelizes, continuam na busca desesperada por sexo, na tentativa de aplacar a solidão em que se meteram. Para o vazio sexual há várias soluções no mercado. Mas, para o vazio afetivo, não há nada que se possa comprar. O sexo pelo sexo, na terceira idade, só aumenta a sensação de rejeição, abandono e fracasso.


Ilustração: colagem Márcia Lage

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