O enfrentamento da velhice nessa nova geração de sessentões à qual pertenço caminha em duas direções, pelo que pude constatar até agora: há os românticos e nostálgicos, que se recusam a mudar de profissão/cidade/estilo de vida e tornam-se resmungões e desatualizados. Passam o tempo vangloriando o passado e exibindo fotos antigas no facebook, para provar o quanto foram inteligentes, bonitos e magros. E há os que não estão nem aí para o fato e até são um pouco exibicionistas. Acham-se no direito de mandar todo o mundo à merda e envelhecem rebeldes como adolescentes, topando desafios novos, desapegados do passado, ligadíssimos no presente e confiantes no futuro.
Eu pertenço à segunda leva. Busco me ligar nas coisas que estão nascendo e não nas que já morreram. Adoro essa nova economia social que vem transformando o mundo, e que me traz a companhia de jovens tão diferentes do que eu fui que fico pasma. São seguros, talentosos, com múltiplas habilidades, proativos, assertivos, educados e ...sabem lidar com dinheiro, coisa que eu só vim a aprender depois dos 40 e após inúmeros perrengues financeiros. Esses jovens acham que eu tenho sabedoria, mas eu é que busco neles as ferramentas que usam para ser muito melhores do que fui e do que sou.
Uma repórter com a qual trabalhei e que tem um blog de aventuras chamado “´Descobertas Bárbaras” me apresentou o site de caronas chamado “Blá Blá Car”. Ele funciona maravilhosamente na Europa, e você pode passar de um país para outro com um clique. Cadastra-se para uma viagem e encontra alguém que está indo para onde você quer ir. Simples, seguro, confortável e barato. Um leque de oportunidades se abre quando a gente se abre para o novo: novos amigos, novos desafios, uma comunicação em outro idioma, informações que não estão nos guias turísticos, enfim, a viagem é outra, como é outra a experiência de hospedagem em casas cadastradas mundo afora no aplicativo AirBnB, do qual também faço parte, e que tem me gerado uma prazerosa renda extra.
No mês passado juntei os dois aplicativos numa única experiência: hospedei um jovem casal paulista pelo AirBnB e peguei uma carona de Blá Bla Car com eles até São Paulo, para sair um pouco da maravilhosa roça onde vivo. Queria visitar a Bienal, ir ao teatro e ao cinema, consertar celular e máquina fotográfica, essas coisas que as cidades pequenas não nos proporcionam. Paguei R$ 31,00 pela carona (o ônibus cobra R$ 70,00 e demora seis horas, além de ser fedido e velho). Fiquei hospedada na casa de duas estudantes da USP, num ponto ótimo da Vila Mariana, por apenas R$ 50,00 a diária.
Cumpri toda a agenda programada, vi dois filmes por dia e ainda peguei a estreia gratuita do espetáculo “Créssida”, uma releitura cômica da guerra de Tróia feita por Jô Soares. Ganhei dois ingressos e convidei uma nova amiga para ir comigo, Cristina. Amizade feita no Cine Reserva Cultural. Eu e ela nos esbarramos várias vezes no cinema, na semana que passei em São Paulo. Até que nos cumprimentamos no café e começamos a conversar.
Além de trocarmos impressões sobre os filmes que vimos, Cristina me contou que havia ficado viúva há cindo anos. O casamento foi longo e feliz, ela já é avó, e as duas filhas moram uma na Argentina, outra no Chile, países onde viveram em função do trabalho do marido. Em 2014 ela perdeu o único irmão. Ficou sozinha para cuidar dos pais idosos, que moram em um apartamento próximo ao dela. Cristina não chorou, não lamentou a sorte, não está atrás de um novo marido e não foge à responsabilidade de cuidar dos pais. É uma mulher que envelhece com sabedoria.
Vimos juntas “Amnésia”, um filme alemão belíssimo, que trata exatamente disso. Dos desafios que a idade nos trás. Passa-se em Ibiza (fiquei louca pra conhecer, uma paixão puxa outra e a vida vai ficando cheia de projetos) onde mora Martha, sessentona linda, que se recusa a falar alemão, pelos traumas da guerra. Ela tá lá na dela, curando-se do passado. Pesca, aprecia o pôr do sol, cultiva ervas, prepara a própria refeição e dorme cedo, porque não tem luz elétrica em casa. Aí surge o desafio: Um jovem DJ também alemão, 40 anos mais jovem do que ela. Os dois interagem de forma deliciosa, cozinhando juntos, ouvindo música, tomando chá e apreciando o pôr do sol. Ele se apaixona por ela. Mas ela não se deixa seduzir. Já está sábia.
Eu e Cristina gostamos do desfecho do filme (Amnésia é o nome de uma boate onde o DJ trabalha, nada a ver com a doença), porque também teríamos agido da mesma forma. Concordamos que é falta de juízo trocar a possibilidade de uma amizade linda e duradora por uma tórrida paixão sexual com meninos que podem ser nossos netos. Fosse o filme brasileiro e Martha teria se refestelado com o DJ em cenas tórridas, porque essa é a nossa cultura, isso é o que se espera que façamos. E é o que nos confunde e nos impede de sermos felizes sozinhas.
Voltei a Paraty de Blá Blá Car outra vez, no carro de uma brava mulher de 40 anos, Renata, que vem a Angra dos Reis a cada 15 dias, para concluir um mestrado em Direito Ambiental no Campus da UERJ. Outra moça de 28 anos, Karla, havia se juntado à carona. Amazonense, foi professora de inglês, quis sair do norte e estava morando em Ubatuba, enquanto pensava no que fazer da vida. Queria estudar gastronomia em São Paulo. Ubatuba era só o ponto de apoio onde tinha uma amiga, mas já estava trabalhando no novo projeto.
Só por ter rompido com as barreiras do seu estado natal Karla tem milhares de seguidores no Instagran e no Youtube. Veio mostrando sua cultura para nós e postando a aventura da viagem. Chegando quase em Ubatuba havia um acidente fechando a descida da serra. Chovia, começava a esfriar. Esperamos uma hora mais ou menos, a estrada só enchendo de carros, até descobrirmos que o problema estava lá desde as 10 da manhã, sem previsão de solução. Sugeri darmos a volta por Cunha, todo mundo dormiria na minha casa. E assim foi feito.
Renata confessou o medo que teria tido na solidão da estrada, se não tivesse a nossa companhia para guiá-la por outro caminho. Chegamos, abrimos um vinho, fizemos um macarrão, apresentei Paraty às duas na manhã seguinte e cada qual seguiu seu rumo. Domingo passado Karla me ligou. Disse que já está trabalhando em São Paulo e que começa o curso de gastronomia em março. Falou da festa do Boi de Parintins em junho e me convidou para ir com ela. Aceitei na hora! Não recuso oportunidades que a vida me envia. Até junho, então, não posso morrer, porque tenho um compromisso com a Karla e com uma das manifestações culturais mais lindas desse país!
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