Márcia Lage
20 de nov de 20203 min
Acabo de fazer um curso intensivo de envelhecimento. Com minha mãe, que veio passar uns dias comigo em Paraty. Há três anos ela esteve aqui, e me acompanhou em trilhas leves, de um a dois quilômetros. Andou pelas pedras do Centro Histórico sem se queixar e, certa noite, achando que eu a enrolava para não acompanhá-la à igreja, marchou sozinha para a Matriz, sem se perder nas ruas tortas da cidade. Encontrei-a sentada no banco da frente, cantando a música de abertura da celebração, embevecida na sua fé.
Estava com 75 anos e tinha completo domínio de si, segurança no andar e no falar, senso de humor e uma curiosidade quase infantil. Era uma companhia divertida, que bebia cerveja e observava tudo, manifestando opinião sobre pessoas e coisas, com sensatez e sabedoria. Num intervalo de tempo tão curto, transformou-se completamente. Escuta pouco, o que a deixou insegura para viajar desacompanhada, assustada com o desconhecido, calada e absorta. Queixa-se de uma dor no quadril que a impede de andar como antes. E não manifesta as mesmas emoções de antigamente.
Em três anos minha mãe envelheceu dez. Ainda não fez 80 e já apresenta sinais de um possível Alzheimer, como apatia, desinteresse, sonolência, ausência, memória fraca e cansaço físico após um mínimo de esforço para a sua idade não tão avançada. O que acelerou o processo? Não sabemos. Talvez as dores nas pernas e no quadril advenham de um esmagamento do cóccix num simples solavanco de carro ao passar por um quebra-molas, oito ou dez anos atrás.
O silêncio e a apatia teriam nascido de uma depressão causada por algum desgosto? A morte de um neto, os altos e baixos de tantos filhos? O fato é que ela não é a mesma. Perdeu a coragem, a disposição, a vibração pela vida. Desorienta-se em casas alheias e apavora-se diante de desafios mínimos, como temperar a água de um chuveiro com aquecimento a gás ou energia solar.
Levei-a para passear por lugares desejados, como Aparecida do Norte, em São Paulo, e o Cristo Redentor, no Rio. O esforço das viagens transformou os programas em um quase sacrifício. No Museu do Amanhã, não se interessou por nada, o que é compreensível, dada sua baixa escolaridade. Mas a curiosidade de uns anos atrás a teria feito curtir uma exposição ou outra. Entretanto, mostrou-se entediada e louca para voltar para casa. E dormir.
Mais surpreendente ainda foi constatar uma total falta de apetite para comidas e bebidas, o que era um prazer para ela. Tanto gostava de comer quanto de cozinhar. Fazia salgados para vender, adorava doces e apreciava os pratos suculentos da cozinha mineira, que sabia fazer muito bem. Agora, se não lhe dermos nada, come qualquer coisa para matar a fome, como se houvesse perdido o olfato e o paladar. E não frita um ovo, se precisar. Espera ser servida, humildemente e a qualquer hora, sem manifestar desejo por algum prato específico.
Além de agendar novas consultas para ela – com um psiquiatra e um ortopedista – e de orientá-la a acrescentar pelo menos uma massagem por semana às já regulares sessões de pilates, não temos muito o que fazer. Fisicamente, minha mãe está saudável. Não sofre de diabetes, taxas de colesterol e de triglicérides normais, já toma remédios para hipotireoidismo e hipertensão, enfim, não é por falta de cuidados que antecipa os sintomas de um envelhecimento que promete dar trabalho.
Desconfio, inclusive, que é por antever isso que minha mãe dorme tanto. Para nos poupar de ter que ajudá-la cada vez mais. É como se ela tivesse vergonha das transformações físicas e mentais que estão ocorrendo, medo de virar estorvo, humilhação por deixar de ser produtiva. São sentimentos que nos perseguem, à medida que envelhecemos. Também tenho pavor da dependência. E, ao ver minha mãe entrar tão cedo nesse processo de decrepitude, sinto o peso do inevitável sobre nossos destinos.
Não há como maquiar a realidade do envelhecimento. Temos que aprender a enfrentá-la, fazendo o que for possível para prevenir doenças e evitar sofrimentos extras, cientes, no entanto, que não temos controle de nada. Somos frágeis e vulneráveis, nada de culpa! O alívio é que podemos - isso sim - reforçar em nós sentimentos de amor e compaixão, para trilharmos com paciência o trecho final da nossa jornada. Cuidando com carinho dos que precisam de ajuda, aceitando sermos cuidados, quando chegar nossa vez.
PS: Minha mãe agora está ótima. Nós a levamos a vários especialistas, e os exames deram todos bons. Constatou-se que ela estava se descuidando do remédio para controle do hipotireoidismo, daí a sonolência. O geriatra havia receitado um antidepressivo leve, o que a deixou um pouco abobalhada. Agora, o antidepressivo foi suspenso e entrou-se com nova medicação para hipotireoidismo e um outro para pressão alta. Resultado: uma mãe alegre de novo. Lição que fica: não devemos aceitar de pronto os sintomas da velhice. Procurar ouvir dois ou mais especialistas e buscar a fonte da alegria todos os dias.